Estas linhas foram publicadas -há já vários anos- nalguma imprensa regional, com o título :
«MAZAGÃO, PRAÇA-FORTE PORTUGUESA DO NORTE DE ÁFRICA»
A calma baía de Mazagão, situada na costa atlântica de Marrocos, 10 quilómetros a sul de Azamor, é reputada -desde a Antiguidade- pela segurança que oferece à navegação. Há, com efeito, notícias de que já os marinheiros Cartagineses ali buscavam abrigo para os seus navios em dias de borrasca. Plínio referiu-se à iportância que este porto natural teve para a marinha do Império Romano, no tempo em que por ali existiu uma cidade por eles designada Portum Rosibis. A conquista do norte de África pelos Árabes, alguns séculos mais tarde, provocou o declínio do porto e da própria localidade, que acabaram por desaparecer.
Os Portugueses começaram a interessar-se por esse lugar logo mos primeiros anos do século XVI, erguendo ali a sua primeira fortaleza em 1514. Com isso, pretendiam os nossos antepassados abrigar a esquadra que asseguraria a defesa marítima de Azamor (praça que dispunha de um péssimo porto), conquistada aos muçulmanos no ano anterior. Os trabalhos de edificação da fortaleza de Mazagão foram dirigidos pelos arquitectos Francisco e Diogo de Arruda e a praça (agora fortificada) recebeu como seu primeiro capitão de armas Martim Afonso de Melo, nomeado por carta régia datada de 10 de Agosto daquele mesmo ano.
Em 1541, depois da perda de Santa Cruz do Cabo de Gué, el-rei D. João III manandou evacuar Safim e Azamor, pelo facto da importância dessas praças ter declinado e da sua manutenção ficar muito cara ao erário real. Curiosamente, o «Piedoso» quis conservar a praça de Mazagão, mandando até ampliar e reforçar o seu dispositivo de defesa com a adjunção de novas muralhas e baluartes.
A praça de Mazagão conheceu a maior crise da sua História em 1562, quando foi cercada por um poderoso exército Mouro, colocado sob o mando do temível Muley Mohamed Almotauaquil. Debilmente guarnecida (a regente D. Catarina havia chamado a Portugal o seu comandante militar e mandara retirar de Mazagão toda a sua cavalaria, na perspectiva de, em breve, abandonar a praça), a fortaleza teria facilmente caído nas mãos dos sitiantes muçulmanos, se, no Reino, logo que chegaram as primeiras notícias do cerco, a fidalguia e o povo -sobretudo as gentes do Algarve- não se tivessem mobilizado e acorrido prontamente em sua defesa,
Deveras surpreendida por essa corajosa e inesperada reacção dos seus súbditos, a regente (viúva de D. João III) viu-se na obrigação de enviar uma esquadra de socorro ao norte de África, cujas tripulações acabaram por sofrer, ao lado da esforçada guarnição de Mazagão, os repetidos e violentíssimos assaltos do inimigo; que se prolongaram por mais de dois meses !
Contando muitas dezenas de milhar de homens, o exército sitiante estava equipado com um número elevado de modernas peças de artilharia, servidas por muitos mercenários europeus, entre os quais se encontravam (diga-se em abono da verdade histórica) alguns renegados portugueses. As tropas mouras -doutrinadas no espírito da guerra santa- eram muito aguerridas e estavam, por outro lado, enquadradas por reputados oficiais de origem granadina, provenientes de Argel.
Apesar da desproporção das forças em liça (que favorizava, evidentemente, os muçulmanos) e dos meios modernos de que dispunham os sitiantes, os defensores de Mazagão aguentaram estoicamente todos os assaltos de que foram alvo. E ripostaram com a energia e com a valentia que são apanágio de todos aqueles que se encontram em situação desesperada, mas que, teimosamente, não querem ceder um palmo daquilo que, por direito, julgam pertencer-lhes.
Os ataques mais brutais contra a fortaleza lusa de Mazagão verificaram-se em 23 de Abril e no 1º de Maio daquele memorável ano de 1562. Na primeira data referida, os assaltos furiosos dos Árabes duraram todo o dia, sem resultados práticos. As forças do Islão retiraram já ao cair da noite para curar feridas e contar as suas vítimas; que, segundo os cronistas da época (de entre os quais destacamos frei Luís de Sousa), se cifraram em milhares de mortos e feridos. Nos combates ocorridos uma semana mais tarde, repetiram-se os actos de bravura de ambos os antagonistas, empenhados numa guerra sem quartel. Conseguindo os Portugueses, uma vez mais, rechaçar todas as investidas do adversário. Inimigo que, no fim da tarde desse glorioso primeiro dia de Maio, desalentado pela louca resistência dos nossos, decidiu resignar-se e por cobro a um assédio que durara, ao todo, sessenta e cinco longos dias !
Segundo testemunhas coevas desse extraordinário feito de armas, as perdas portuguesas resumiram-se a 117 mortos e a 270 feridos. Quanto ao poderoso exército de Muley Mohamed, esse terá sofrido milhares de mortos; que alguns historiadores estimaram de maneira exagerada.
Mazagão (de onde a coroa portuguesa não retirava o mínimo benefício e que era, por essa e por outras razões, um autêntico sorvedouro de dinheiros públicos), manteve-se, por uma mera questão de prestígio, na posse de Portugal até Março de 1769; altura em que o marquês de Pombal mandou evacuar, definitivamente, a sua guarnição. Convém referir que, por essa época, as muralhas dessa praça do norte de África se encontravam bastante danificadas, devido aos desastrosos efeitos do terramoto de 1755, e que Mazagão era, de novo, alvo da cobiça dos Marroquinos. Após a retirada dos Portugueses, a fortaleza foi transformada em judiaria pelas autoridades locais, enquanto na sua proximidade imediata foi construída uma nova cidade, à qual foi dada o nome de Al-Jadida; que conta, actualmente, com mais de 80 000. habitantes.
Refira-se ainda e para terminar estas linhas, que a restauração da histórica fortaleza de Mazagão foi efectuada no período em que Marrocos esteve sob tutela francesa (com o estatuto de protectorado) e que ela é, hoje, um lugar de grande interesse turístico desse nosso vizinho do Magrebe. Diga-se, igualmente, que os derradeiros ocupantes portugueses dessa invicta praça-forte emigraram todos para o Brasil, onde fundaram -na foz do rio Amazonas- a povoação de Vila Nova de Mazagão, que é, actualmente, uma das localidades mais importantes do estado de Amapá.
(M. M. S.)
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