domingo, 27 de dezembro de 2009
ELES COMEM TUDO...
OS VAMPIROS
No céu cinzento
Sob o astro mudo
Batendo as asas
Pela noite calada
Vêm em bandos
Com pés de veludo
Chupar o sangue
Fresco da manada
Se alguém se engana
Com seu ar sisudo
E lhes franqueia
As portas à chegada
Eles comem tudo
Eles comem tudo
Eles comem tudo
E não deixam nada
A toda a parte
Chegam os vampiros
Poisam nos prédios
Poisam nas calçadas
Trazem no ventre
Despojos antigos
Mas nada os prende
Às vidas acabadas
São os mordomos
Do universo todo
Senhores à força
Mandadores sem lei
Enchem as tulhas
Bebem vinho novo
Dançam a ronda
No pinhal do rei
Eles comem tudo
Eles comem tudo
Eles comem tudo
E não deixam nada
No chão do medo
Tombam os vencidos
Ouvem-se gritos
Na noite abafada
Jazem nos fossos
Vítimas de um credo
E não se esgota
O sangue da manada
Se alguém se engana
Com seu ar sisudo
E lhes franqueia
As portas à chegada
Eles comem tudo
Eles comem tudo
Eles comem tudo
E não deixam nada
Eles comem tudo
Eles comem tudo
Eles comem tudo
E não deixam nada
(Zeca Afonso, trovador e resistente)
Os vampiros do antigamente -que o saudoso Zeca Afonso denunciou nos seus imortais versos- estão de regresso. Já cá estão todos, de novo, encapotados com diferentes vestes e beatíficos sorrisos. Há que apontá-los a dedo, porque são eles que semeiam a desgraça nesta terra que é a nossa e que continuam a beber o sangue da nossa pacífica gente. Os novos sugadores de sangue são aqueles que vão para a política para ganhar protagonismo e para enriquecer rapidamente, quando a política, como qualquer outro acto cívico, é servir. Com honra. Os novos vampiros são esses patrões, que vivem em mansões de ‘stars’ hollywoodianas, que se deslocam em Ferraris e outros veículos de luxo, que enfeitam as mulheres e as amantes com ouro e diamantes, que as abafam com visons e zibelinas e vêm, depois, negar -sem pudor, publicamente, diante das câmaras de televisão- alguns cêntimos diários de aumento salarial aos mais sacrificados dos trabalhadores portugueses. Aqueles que recebem o ordenado mínimo. Que só não produzem mais e melhor, porque vivem num país onde não se investe convenientemente na formação profissional e na cultura geral de homens e mulheres, que merecem algo de melhor do que aquilo que lhes servem , em doses maciças e quotidianas, os canais de televisão (mesmo os estatais) : telenovelas, jogos de futebol, concursos idiotas e outras patetices. Os novos comilões sem lei são os banqueiros (alguns deles vindos do mundilho da política), que, depois de nos terem imposto uma crise financeira sem precedentes, continuam a embolsar somas astronómicas. Que, de toda evidência, não merecem. Que nunca mereceram. Os novos vampiros são aqueles que, com falinhas mansa e «pés de veludo», vêm apaziguar os espíritos daqueles que sofrem e que ainda têm alguma capacidade para se revoltar contra as injustiças e o sofrimento imposto por uma sociedade cada vez mais feroz para com os pobres, os desempregados, os desesperados. Enfim, para com todos os indigentes (que são, oficialmente, 2 milhões de pessoas) desta nação sem rei nem roque; que parece andar à deriva, depois de ter sido espezinhada e pilhada. Irra !!!
Quando é que surgirá por aí um novo poeta-paladino que -como o saudoso Zeca Afonso- empunhará a bandeira do talento e da coragem, para reclamar mais justiça para este nosso povo, desprezado e oprimido pela ditadura do dinheiro e da pouca-vergonha ?
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