Nascido em 1945, posso dizer que atravessei toda a época dourada dos ‘Beatles’ e de outros rebolacalhaus de origem anglo-saxónica sem me deixar ganhar pela histeria colectiva que a sua música provocou pelo mundo fora. Correndo o risco de passar por um patego, até posso dizer que foi para mim uma chatice de todo o tamanho ter que ouvir, durante anos, esses grupos (que passaram a dar concertos, como o haviam feito outrora os grandes compositores clássicos…) a monopolizarem as ondas hertzianas nacionais (e não só), onde berravam todo o santo dia numa língua, para mim, desconhecida. Creio até que vem dessa época –a da minha adolescência- a minha desabituação de ouvir rádio. Por causa do fartote que apanhei. Não é que fosse totalmente impermeável à algumas músicas que esses grupos de guedelhudos tocavam. Confesso até que algumas delas me eram agradáveis ao ouvido, como, por exemplo, «Yellow Submarine» dos moços de Liverpool. Mas o facto de não perceber patavina da letra (ao que parece muito básica) com que ilustravam essas tais melodias, ditou o meu desinteresse pelas inglesisses. E podem ter a certeza que tal facto não me deixou minimamente frustrado.
Do que eu gostava mesmo era, no domínio da música ligeira, de coisas cantadas na nossa língua ou, então, em castelhano (que falo atabalhoadamente, mas entendo) ou em francês, idioma que, sem falsa modéstia, domino bem. Daí que os meus cançonetistas preferidos sejam lusa gente, brasileiros e artistas de fala hispânica ou gaulesa. Hoje apetece-me lembrar uma das minhas melodias preferidas : «Ave Maria no Morro», que foi escrita e composta em 1942 por Herivelto de Oliveira Martins, um artista infelizmente pouco conhecido em Portugal.
Esta canção (cuja letra recordaremos no final deste texto) foi divulgada, pela primeira vez no ano da sua criação pelo Trio de Ouro, cujos integrantes eram o já referido Herivelto, a sua mulher Dalva de Oliveira (também ela bastante popular no Brasil) e Nilo Chagas. O sucesso foi tal, que «Ave Maria no Morro» rapidamente ganhou o estatuto (amplamente merecido) de património nacional brasileiro e foi cantada por artistas da craveira de uma Ângela Maria, de uma Gal Costa, de um Pery Ribeiro (filho de Herivelto), de um João Gilberto, entre outros. Vários artistas de renome internacional também a integraram com grande sucesso nos seus próprios repertórios, tais como Glória Lasso, Nana Mouskouri, Xiomara Alfaro (que ajudou a divulgá-la no nosso país), Violeta Villa, Sarita Montiel, Marie Myriam, os ‘Scorpion’, Ricky King, e os fabulosos Andrea Bocelli e Luciano Pavarotti.
Note-se, no entanto, que nem tudo foram rosas para esta deliciosa canção; já que, apesar do estrondoso êxito alcançado no Brasil, a sua proibição (por heresia, vejam só a estupidez !) chegou a ser solicitada por um influente eclesiástico local. Coisa que só não aconteceu, por (ao que se pretendeu) a melodia ter conquistado admiradores nos próprios serviços de censura brasileiros. Isto dito, aqui fica a letra :
«Ave Maria no Morro»
Barracão de zinco
Sem telhado, sem pintura
Lá no morro
Barracão é bangalô
Lá não existe
Felicidade de arranha-céu
Pois quem mora lá no morro
Já vive pertinho do céu
Tem alvorada, tem passarada
Ao alvorecer
Sinfonia de pardais
Anunciando o anoitecer
E o morro inteiro no fim do dia
Reza uma prece Ave Maria
E o morro inteiro no fim do dia
Reza uma prece Ave Maria
Ave Maria
Ave Maria
E quando o morro escurece
Elevo a Deus uma prece
Ave Maria.
(-Bonita, na sua singeleza, não é verdade ? A audição em português de «Ave Maria no Morro» é, naturalmente, indispensável; mas ouvir cantar –em língua italiana- esta imortal canção de Herivelto Martins pelos artistas Andrea Bocelli e Luciano Pavarotti é uma experiência inolvidável. Acreditem !).
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