(Páginas esquecidas da nossa História – 3)
D. Sancho II, quarto rei de Portugal, contava apenas 13 anos de idade quando faleceu o seu progenitor. Devido à sua menoridade e a problemas ligados ao estado periclitante da sua saúde, as responsabilidades da governação do Reino foram temporariamente confiadas -por decisão testamentária de seu pai, D. Afonso II- a três ricos-homens com experiência reconhecida na administração dos negócios públicos. Foram eles o chanceler Gonçalo Mendes, o mordomo-mor Pedro Anes e mestre Vicente, deão de Lisboa.
Devido à forçada indisponibilidade do infante-rei, os sérios problemas de política interna herdados do reinado anterior -sobretudo questões da Coroa com a classe eclesiástica e com os nobres- foram-se agravando e acabaram por mergulhar a jovem nação portuguesa num clima de instabilidade e de desordem. A situação do país era de tal modo caótica quando o juvenil monarca acedeu, de facto, ao poder, que, apesar da sua manifesta boa vontade e das cedências de monta que ele logo fez aos poderosos e ávidos adversários do defunto senhor seu pai, D. Sancho não logrou contentar quem quer que fosse.
A partir daí, o rei que a História de Portugal cognominaria o «Capelo» acabou por descurar esses assuntos de política interna, para se entregar de corpo e alma à patriótica tarefa do alargamento do território nacional. E nesse campo, o reinado de D. Sancho II apresenta um balanço dos mais positivos. Sim, porque as suas hostes, coadjuvadas pelas forças das ordens militar-religiosas do Hospital e de Santiago da Espada tomaram ao ocupante muçulmano, num espaço de tempo relativamente curto, inúmeras praças do Alentejo e do Algarve. Foi assim, que sob o competente comando do rei -que parece ter herdado as qualidades de guerreiro destemido e de hábil estratego de seu bisavô Afonso Henriques- e dos grão-mestres das acima referidas ordens (que eram então, respectivamente, D. Afonso Peres Farinha e D. Paio Peres Correia) se conquistaram as praças fortes de Elvas, Juromenha, Serpa, Moura, Aljustrel, Mértola, Alfajar de Peña, Ayamonte, Silves, Tavira e Cacela.
Não obstante os prestigiosos triunfos militares de D. Sancho II e o consequente enriquecimento do Reino com o acréscimo de novos e vastos territórios, os inimigos do monarca continuaram a reclamar-lhe a restituição de privilégios exorbitantes e abusivos, justamente suprimidos por seu pai, e a criticá-lo pela má administração do país. Na esperança de harmonizar, uma vez por todas, a política interna portuguesa e de sanar os litígios pendentes entre a Coroa, por um lado, e a nobreza e o clero, por outro lado, el-rei reuniu em Coimbra uma assembleia representativa de todas as partes interessadas e assinou com elas uma ‘concórdia’, documento que -em 10 artigos- satisfazia algumas das reivindicações das classes mais poderosas da nação.
Ainda assim os senhores feudais e os seus aliados eclesiásticos não se deram por satisfeitos; e aproveitaram-se do casamento do soberano (ocorrido por volta de 1240) com Dona Mécia Lopez de Haro -uma dama da nobreza biscainha, aparentada a Afonso IX, rei de Leão- para hostilizar ostensivamente D. Sancho. Desta feita, o pretexto invocado pelos adversários do monarca tinha a ver com a esposa escolhida pelo rei, que, segundo a coligação nobreza-clero, exercia sobre ele uma influência nefasta.
A conspiração contra el-rei de Portugal passou, desde logo, a ser mais aberta e virulenta, acabando os inimigos do soberano por solicitar a intervenção do Papa na resolução de um contencioso que, apesar das cedências reais, eles ainda consideravam pendente. Nessa ocasião, destacaram-se entre os mais encarniçados adversários de D. Sancho II dois sucessivos bispos do Porto (que foram D. Martinho Rodrigues e D. Pedro Salvadores), D. Soeiro, bispo de Lisboa, os seus colegas de Braga e de Coimbra e até o próprio mestre Vicente, antigo perceptor real, que trocou a sua fidelidade ao soberano pelo apetecido e rendoso título de bispo da Guarda. Como já foi referido, inúmeros fidalgos descontentes por não terem obtido do rei a total satisfação das suas desmedidas ambições entraram igualmente nessa vergonhosa maquinação, que haveria de levar o Sumo Pontífice a declarar a incapacidade do rei e a exigir deste que abandonasse o trono legitimamente herdado de seu pai. Esta medida, extremamente vexatória e injusta, foi tomada pelo Papa em 25 de Julho de 1245. Pela mesma ocasião, e por sugestão dos conjurados, o herdeiro de São Pedro decidiu atribuir ao irmão do soberano deposto -D. Afonso, conde de Bolonha- o título ambíguo de Curador do Reino.
O povo acabou, também ele, por aderir ao partido do príncipe D. Afonso, que se encontrava, por essa época, ainda ausente em França; mas, segundo referem certas ‘cantigas de mal-dizer’ desse tempo, a arraia-miúda só cedeu sob a ameaça de teríveis penas eclesiásticas e devido a pressões de toda a ordem, que tomaram, por vezes, a forma de indecorosos subornos fomentados e pagos pelos poderosos, intransigentes e aleivosos inimigos do legítimo rei de Portugal.
Abandonado praticamente por todos os seus súbditos aquando da invasão do Reino (ocorrida em fins de 1245 ou princípios do ano seguinte) pelas hostes de seu irmão, inclusivamente pela própria rainha D. Mécia, o infortunado D. Sancho II refugiou-se em Castela, acabando por falecer num convento de Toledo em 1248, quando contava apenas 37 anos de idade.
A iníqua deposição de D. Sancho II constitui, sem dúvida, um dos episódios mais trágicos e mais ignominiosos da nossa História. A bem da verdade, é necessário referir, no entanto, que nem todos os portugueses traíram o seu rei. Houve alguns homens desse tempo que não se deixaram corromper pelo dinheiro, pelos títulos e demais benesses oferecidas por aqueles que, vergonhosamente, estiveram por detrás do processo que conduziu ao afastamento abusivo do rei. De entre eles será justo destacar a figura proba de Martim de Freitas, alcaide-mor de Coimbra, que rejeitou todas as tentativas de suborno e defendeu valorosamente o seu castelo das investidas dos adversários do malogrado monarca. Freitas só consentiu prestar vassalagem a D. Afonso III, depois de ter ido a Toledo certificar-se, ‘de visu’, da morte do seu infeliz soberano. Segundo a tradição, o nobre alcaide-mor de Coimbra depôs simbolicamente as chaves do seu castelo nas mãos cadavéricas de D. Sancho, num gesto de exemplar fidelidade, e só depois disso lhas tomou para as ir remeter ao novo senhor da coroa de Portugal.
Refira-se, a título de curiosidade, que as destituições de reis não fizeram escola no nosso país. Na realidade, isso só aconteceu mais duas vezes : em meados do século XVII, quando as Cortes -reunidas em 1668- destronaram D. Afonso VI (um doente, incapaz de assumir as responsabilidades da governação) para confiar o ceptro a seu irmão D. Pedro II; e em 1910, ano em que a revolução republicana interrompeu o curto reinado de D. Manuel II e baniu de Portugal o regime monárquico.
(M.M.S.)
D. Sancho II, quarto rei da dinastia Afonsina (ou de Borgonha), nasceu em Coimbra a 7 de Setembro de 1209 e faleceu em Toledo no dia 4 de Janeiro de 1248. Parece que o seu cognome de «Capelo» lhe veio do facto de ter usado o hábito e o capuz (capelo) de uma ordem mendicante
bandeira do Reino de Portugal usada por D. Sancho II
D. Sancho II, legítimo rei de Portugal, que uma intriga urdida pela nobreza e pelo clero apeou do trono
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