quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010
'A BENÇÃO DA LOCOMOTIVA'
A BENÇÃO DA LOCOMOTIVA
A obra está completa. A máquina flameja,
Desenrolando o fumo em ondas pelo ar.
Mas, antes de partir mandem chamar a Igreja,
Que é preciso que um bispo a venha baptizar.
Como ela é concerteza o fruto de Caím
A filha da razão, da independência humana,
Botem-lhe na fornalha uns trechos de latim
E convertam-na à fé Católica Romana.
Devem nela existir diabólicos pecados,
Porque é feita de cobre e ferro; e estes metais
Saem da natureza, ímpios, excomungados,
Como saímos nós dos ventres maternais !
Vamos, escunjurai-lhes o demo que ela encerra,
Extraí a heresia ao aço lampejante !
Ela acaba de vir das forjas de Inglaterra,
E há-de ser concerteza um pouco protestante.
Para que o monstro corra em férvido galope,
Como um sonho febril, num doido turbilhão,
Além do maquinista é necessário o hissope,
E muita teologia... além de algum carvão.
Atirem-lhe uma hóstia à boca fumarenta,
Preparem-lhe alguns sermões, ensinem-lhe a rezar,
E lancem na caldeira um jorro de água benta,
Que com água do céu talvez não possa andar.
- Guerra Junqueiro -
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