domingo, 20 de outubro de 2013

RECORDAÇÕES (7)


Durante os mais de 40 anos que passei em França nunca quis (como o fizeram inúmeros compatriotas ali exilados ou emigrados) restringir as minhas relações e amizades à comunidade lusa. Por muitas e diversas razões, que não são para aqui chamadas. Mas é verdade que havia coisas que eu partilhava mais facilmente com os nossos compatriotas do que com os amigos franceses (e de outras nacionalidades) que por lá arranjei. Assim, por exemplo, não me acudia ao espírito, de modo algum, combinar comer uma bacalhoada à boa maneira da nossa terra com gente estranha a um ritual, onde impera o 'fiel amigo', que não é peixe para grandes intimidades com gente que se aflige com a visão de uma banal espinha e que se agonia com o azeite puro de oliva, que ela considera como um unto exótico. Mas, o bacalhau que se comia por essas bandas da chuvosa Normandia era um prato onde sempre faltava um ingrediente que o deixava incompleto. Faltavam sempre aqueles grelos de couve ou de nabo, que se casam tão bem com as batatas cozidas, com o ovo cozido e com o senhor dos mares boreais. Não havia nada a fazer para encontrar esse atributo que completava e dignificava o verdadeiro bacalhau com todos. Até que um dia, o nosso bom amigo José Júlio, um ribatejano de Tomar, descobriu, nuns campos agrícolas, situados entre as cidades do Havre (onde ele então trabalhava) e de Rouen (onde residíamos), milhões desses espigos, que ele presumiu imediatamente serem de nabos. A partir desse momento, nunca mais faltaram grelos nas bacalhoadas comidas com as famílias, na intimidade dos nossos lares, ou nas almoçaradas de fim-de-semana, nas quais participava uma alargada roda de amigos. Todos achávamos que essas verduras -cujo fornecimento continuava a ser assegurado pelo José Júlio- eram excelentes. Até que um dia (há sempre um dia) descobrimos que andávamos a comer, deleitados, rebentos... de colza. Houve alguém que alvitrou (já não sei quem) que aquilo até podia ser cancerígeno e, na dúvida, recomeçámos a comer o tradicional gadídeo com batatas, cenouras, mas sem os grelos da praxe. Nota final : se os grelos de colza provocam ou não doenças malignas não sei dizer. O que posso garantir é que, daqueles que participaram nesses festins, ainda ninguém morreu.

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