quinta-feira, 15 de outubro de 2009

CARAVELA DE PANO LATINO (MAIS DO QUE UM NAVIO : UM SÍMBOLO)

CARAVELA DE PANO LATINO
(MAIS DO QUE UM NAVIO : UM SÍMBOLO)

A caravela de pano latino é, sem dúvida, o símbolo perfeito das Grandes Descobertas, essa odisseia náutica na qual os Portugueses desempenharam um papel verdadeiramente preponderante. Essencial ! Único !
Descrever, no entanto (mesmo de maneira sucinta), esse explêndido navio que foi a caravela portuguesa dos séculos XV e XVI não é tarefa fácil. Porque, afinal, e apesar desse veleiro ter sido o protagonista de algumas das páginas mais gloriosas da nossa História, pouca coisa se sabe sobre ele. E isso, devido à política de rigoroso sigilo observada pelos nossos antepassados –sobretudo durante os reinados de D. Afonso V e de D. João II- sobre tudo o que dizia respeito às viagens oceânicas. Secretismo que, como era de esperar, também se reportava ao material utilizado (navios, instrumentos, cartas, etc) pelos navegadores lusos dessa época de franca expansão ultramarina. Mas também de grande rivalidade internacional.
Apesar dos pesquizadores terem encontrado escassa documentação para poderem satisfazer a sua e nossa curiosidade sobre tão prestimoso navio, sabe-se, hoje, que a caravala portuguesa da segunda metade do século XV e dos primeiros anos da centúria seguinte era uma embarcação de dimensão e porte modestos, que deslocava, geralmente, entre 50 e 150 tonéis; sabe-se, por outro lado, que esse navio envergava, exclusivamente, pano latino, suspenso das longas vergas distribuídas por dois ou três mastros; e sabe-se ainda que a caravela era um navio extremamente ágil e fácil de manobrar.
A adopção do velame triangular pelas caravelas desse tempo, constituíu uma autêntica revolução na navegação atlântica, já que possibilitou a estes navios de bolinar, quer dizer de navegar com uma certa facilidade contra o vento. Coisa que, de modo algum, era permitida aos seus predecessores na gesta dos descobrimentos –barcas e barinéis- navios mais pesados e equipados com velas de pendão, herdadas da marinha medieval.
Embora existam documentos datados de meados do século XIII que fazem referência a caravelas, a verdade é que essas embarcações da Idade Média nada tiveram a ver com o navio ao qual aqui se alude. A caravela quatrocentista era um navio completamente novo –e inovador- cuja invenção se pode, sem favor, atribuir aos Portugueses da escola do Infante de Sagres. E isso, apesar dos seus criadores se terem inspirado, ao que tudo indica, na hidrodinâmica do casco de uma barca pescareza algarvia e no aparelho motor (as velas, entenda-se) de um veloz navio mouro que cruzava o Mediterrâneo. O termo caravela parece derivar de ‘cáravo’, nome de uma embarcação, em certos pontos similar, utilizada pelos muçulmanos do norte de África.
As caravelas portuguesas, que no dizer do veneziano Cadamosto eram «os melhores navios de vela que andavam sobre o mar (...) podendo navegar para toda a parte», arvoravam, como já se referiu, dois ou três mastros. Geralmente, o maior desses paus estava implantado a meia nau e envergava, como é natural, a vela de maiores dimensões. Para que os marinheiros pudessem manobrar esse grande pano triangular sem dificuldade, a caravela dispensava o castelo de proa. Assim, a sua tripulação –constituída por um mínimo de 10/12 homens- abrigava-se, quando isso era necessário, na superestrutura de ré, que tinha a particularidade de ser mais baixa e mais longa do que os castelos de popa existentes nos navios medievos. Quando a necessidade se fez sentir, as caravelas foram armadas com algumas peças de artilharia ligeira.
As caravelas de pano latino substituiram definitivamente na nossa marinha das Descobertas as toscas barcas e os obsoletos barinéis no segundo quartel do século XV; depois de Gil Eanes ter dobrado em 1434 (numa barca) o mítico cabo Bojador e de ter, assim, posto um ponto final na primeira etapa da grande aventura marítima do nosso povo. A partir desse feito, os nossos navegantes libertos dos medos inspirados pelo mar Tenebroso e dispondo de um novo e excepcional tipo de navio, puderam prosseguir mais facilmente na sua exploração metódica das costas africanas. Tarefa morosa, mas indispensável à realização da fase seguinte da sua gesta naval, que haveria de os conduzir à descoberta do caminho marítimo para a Índia e à exploração das mais distantes e mais recônditas regiões do sonhado Oriente.
A época das caravelas marcou a glória de Nuno Tristão, de Diogo Gomes, de Pedro de Sintra, de Diogo Cão, de Bartolomeu Dias e de tantos outros navegadores lusíadas, que escreveram com a sua ciência, a sua audácia, as suas lágrimas e o seu sangue generoso algumas das mais belas e exaltantes páginas da História de Portugal e da Europa.
Em 1498, uma caravela latina –a «Bérrio»- colocada sob o comando de Nicolau Coelho e tendo Pero Escobar como piloto, acompanhou Vasco da Gama na primeira das nossas viagens marítimas à Índia. No início do século XVI, caravelas deste tipo ainda integraram várias armadas demandando o Oriente e o Brasil. Mas essas viagens marcaram o fim de um ciclo. Doravante a caravela, esse gracioso e glorioso navio de velas latinas, inegável símbolo de uma epopeia que não teve paralelo na História da Humanidade, cedeu o lugar de primazia a embarcações de superior tonelagem, mais bem adaptadas às longas navegações transoceânicas e às novas exigências do comércio e da guerra.
Navio muito apreciado no seio das esquadras portuguesas, pela sua rapidez e facilidade de manobra, a caravela sobreviveu, no entanto, ainda alguns anos, enquanto navio de ligação. Durante o chamado Século de Ouro da expansão portuguesa, o seu nome perdurou num navio de maior porte e de velame misto : a apelidada caravela redonda. Embarcação que, naturalmente, já nada tinha a ver com o navio henriquino das origens.
Recorde-se, finalmente, que a caravela de pano latino é, e sempre será para muita gente (de dentro e fora de Portugal), o mais prestigioso emblema deste país quase milenar que é o nosso.
(M.M.S.)

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