Já aqui falei -neste blogue de coisas & loisas- de um veículo Mercedes-Benz 770 'Grosser' adquirido pelo estado português à Alemanha nazi, para uso exclusivo do ditador Salazar; que nunca gostou desse carro (hoje pertencente ao espólio do Museu do Caramulo), só o utilizando, ao que se disse, uma única vez : aquando de uma visita a Portugal do seu querido amigo Francisco Franco, o carrasco da República Espanhola. Hoje vou aqui recordar um outro automóvel do acima referido Presidente do Conselho de Ministros. Ou melhor, comprado para uso pessoal desse governante de má memória. Tal como o acima mencionado veículo, também este -um Chrysler 'Imperial'- era um carro blindado e com vidros à prova de bala. Era um modelo de 1937, com um robusto e potente motor V8 de 140 cv e com mais de 5 litros de cilindrada; e que, apesar do seu peso (2 650 kg), podia rolar à velocidade de 130 km/hora. O que era, diga-se de passagem, o máximo dos máximos que, naquele tempo, se podia dar nas péssimas estradas do país. Mas este sim, foi um carro ao gosto de Oliveira Salazar, que o utilizou em inúmeras circunstâncias, tanto no decorrer de missões oficiais, como em viagens de lazer, sobretudo aquelas que fazia regularmente à sua aldeia natal do Vimieiro, situada ali para as bandas de Santa Comba Dão. Viagens pessoais, cuja gasolina (isto no dizer de alguns dos seus próximos) o ditador pagava com dinheiro do seu próprio bolso. Mas, paradoxalmente, esse automóvel americano do professor Oliveira Salazar acabou por ficar na História por ter servido os interesses do PCP (Partido Comunista Português), organização proibida, logo clandestina, que foi a mais acérrima inimiga do ditador e da sua retrógrada política. O caso (extraordinário !) conta-se em poucas palavras : O Chrysler 'Imperial' era, de início, arrumado na garagem privativa da PIDE em Lisboa; mas em 1960, por falta de espaço, foi transferido para as instalações da cadeia de Caxias. Que, ao tempo, era um dos principais lugares de detenção de presos políticos. De gente que, com grande convicção e com muita coragem, afrontava a ditadura e os seus esbirros. Ora, quando souberam da presença do veículo em Caxias, alguns desses detidos -todos ligados à cúpula do PCP- começaram logo a arquitectar um projecto de evasão do Forte de Caxias, com o auxílio do potente e invulnerável automóvel do ditador. E, no dia 15 de Dezembro de 1961, lá vão eles (António Gervásio, Francisco Miguel, Elídeo Esteves, Domingos Abrantes, José Magro, Guilherme da Costa, Tereso e Verdial) a caminho da liberdade, depois de terem lançado, impetuosamente, o carro contra o portão do forte; que cedeu à formidável pancada do pesado veículo. Veículo que, quanto a ele, e apesar de metralhado pelos guardas prisionais e pelos agentes da PIDE, resistiu e logrou colocar a salvo os seus oito passageiros clandestinos. Parece que esta epopeia, protagonizada pelos militantes do PCP e que merecia ser contada num filme de Hollywood, provocou muitos engulhos a Salazar. Que terá passado a desprezar o seu Chrysler; ao ponto do carro (que só foi parcialmente restaurado) apresentar ainda hoje (na carroçaria e nos vidros) marcas dos balázios que nessa altura encaixou.
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