sábado, 24 de setembro de 2016
COISAS DE OUTROS TEMPOS... E UM LIVRO INCONTORNÁVEL
Os 'moços' da minha idade não terão esquecido que, no chamado 'tempo da outra senhora', o ensino primário -no seu quarto e último ano de escolaridade- nos impunha conhecimentos verdadeiramente descabidos e, a breve prazo, varridos da memória dos cachopos, por inúteis que eram. Como, por exemplo, saber o itinerário das linhas férreas (com citação das estações principais do traçado) e/ou noções de geografia de todas as 'províncias ultramarinas'. Para tanto e neste último caso, existiam, nas salas de aulas, grandes mapas de Angola (como aquele que ilustra este texto), de Moçambique, da então nomeada Guiné Portuguesa ou do arquipélago de Cabo Verde. As exigências dos senhores professores incidiam, sobretudo, no nome das divisões administrativas desses territórios africanos e das respectivas capitais, nos principais rios (e num ou outro detalhe físico) e nas riquezas minerais (e outras) que por lá existiam para grande proveito, diga-se, dos grandes grupos económicos de Portugal e de algures. Estou a lembrar-me que, décadas mais tarde, seriam enviados -para reprimir os movimentos independentistas dessas colónias e tentar parar a roda da História- uns 800 000 jovens militares e respectivo enquadramento. Por lá morreram (durante 13 anos de guerra) mais de 8 800 soldados e de lá voltaram 15 mil deficientes e mutilados, para além de 1/2 milhão de refugiados, os famosos retornados. Tudo gente sacrificada no altar de uma pseudo-pátria, que, segundo a dupla Salazar/Caetano e os seus acólitos, se estendia do Minho até Timor. Tudo isto para eternizar uma retrógrada política colonialista, que já fora abolida no resto do mundo... E para perenizar uma situação insustentável que -no dizer do capitão Salgueiro Maia, que combateu em Angola e na Guiné- se resumia, em grande parte, a isto : «O tal Portugal uno, indivisível, inalienável e multirracial, mais não sei quantos, era uma fraude. Nós chegámos lá e vimos que existia quase escravatura».
As lembranças da primeira parte deste texto são minhas. Os números e a citação do saudoso capitão Salgueiro Maia, o herói sem medo e sem mácula do 25 de Abril, foram colhidas das páginas de «Descolonização Portuguesa - O Regresso das Caravelas», da autoria de João Paulo Guerra, que eu estou (tardiamente) a ler. E que acho que todos os meus compatriotas deveriam ler. Esta obra foi editada em 2009 pela Oficina do Livro. Aconselho, se já não encontrarem este livro essencial sobre a nossa História recente nas livrarias, recorram às bibliotecas da vossa cidade, vila ou região e que o leiam com atenção. Porque, como referiu Ernesto Melo Antunes no prefácio, «este livro, com todos os depoiamentos cruzados que tem, é um bom ponto de partida para a compreensão do complexo processo de descolonização».
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