terça-feira, 9 de junho de 2015

A ESSÊNCIA DOS NOSSOS POETAS


PORTWINE

O Douro é um rio de vinho
que tem a foz em Liverpool e em Londres
e em Nova-York e no Rio e em Buenos Aires :
quando chega ao mar vai nos navios,
cria seus lodos em garrafeiras velhas,
desemboca nos clubes e nos bars.

O Douro é um rio de barcos
onde remam os barqueiros suas desgraças,
primeiro se afundam em terra as suas vidas
que no rio se afundam as barcaças.

Nas sobremesas finas, as garrafas
assemelham cristais cheios de rubis,
em Cape-Town, em Sidney, em Paris,
tem um sabor generoso e fino
o sangue que dos quais exportamos em barris.

As margens do Douro são penedos
fecundados de sangue e amarguras
onde cava o meu povo as vinhas
como quem abre as próprias sepulturas :
nos entrepostos dos cais, em armazéns,
comerciantes trocam por esterlinos
o vinho que é o sangue dos seus corpos,
moeda pobre que são os seus destinos.

* Joaquim Namorado (1914-1986), poeta português, natural de Alter do Chão. Foi um dos iniciadores e um dos teóricos do movimento neo-realista no nosso país. Colaborou com as revistas «Seara Nova», «Vértice», «Sol Nascente», entre outras publicações de carácter cultural. Foi professor de matemática da Universidade de Coimbra, onde aliás se formara. Foi membro do P.C.P. desde os anos 30 *

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