Quando eu era pequenote, aí por volta dos meus 13/14 anos de idade, os meus pais -que eram pobres como a maioria esmagadora da população portuguesa dos tempos da ditadura- adquiriram uma telefonia da marca Schaub-Lorenz (passe a publicidade), mais ou menos do modelo que a imagem de topo ilustra. Era, pela certa, o objecto mais valioso que tínhamos lá em casa e, por isso, esse receptor de rádio ocupava um lugar de destaque sobre um móvel da cozinha, que era o lugar onde minha mãe passava mais tempo; a preparar as refeições quotidianas da família e a desempenhar outras tarefas que, por aqueles tempos e num país como o nosso, eram exclusivo das mulheres. Lembro-me perfeitamente que os homens dessa sociedade ultramachista se limitavam, então, a cumprir os seus deveres profissionais na oficina, na fábrica ou no escritório e nada mais. Depois dessas 8 horas de trabalho (e estou a referir-me às populações citadinas), o tempo sobrante era bónus. Os homens exigiam, às companheiras, pontualidade no serviço de jantar e depois iam, na sua quase generalidade, para a tasca da esquina ou para o café beber uns copos ou dar à língua com os amigos. Isto, enquanto, as coitadas das esposas permaneciam em casa, para lavar a loiça do jantar e cuidar da filharada. Enfim, as mulheres (que eram a coisa, o objecto, a pertença dos homens) trabalhavam de manhã até à noite, o que, tudo somado, daria para aí umas 15 ou 16 horas de duro labor diário. Sem remuneração, mas com algumas parelhas de coices como recompensa. Tudo este palavreado acaba por nos remeter à tal rádio caseira. Que, praticamente em todos os lares desse tempo, se colocava (como já referi) na cozinha; como que para estimular o trabalho dessas incansáveis mulheres, que foram subestimadas, durante décadas e décadas, pelos machos do nosso país. País onde, para cúmulo da injustiça e da humilhação, elas eram oficialmente declaradas «sem profissão». Elas que, afinal, tudo sabiam fazer e que trabalhavam, sem descanso, todos os dias do mês, todos os dias do ano ! Felizmente, o 25 de Abril, que deitou abaixo uma ditadura feroz e anacrónica, também garantiu liberdade à mulher portuguesa. Que se emancipou e que já não vai na cantiga machista de outrora. Não sei, francamente, se ela é mais feliz do que as suas companheira de há 60 anos atrás. Presumo que sim. Mas o que eu sei é que ela, agora, pode escolher livremente o seu destino. O seu destino de ser humano, com direitos iguais(*) àqueles de que gozam os homens. Tenho 2 filhas e 2 netas e estou muito contente pelo facto delas não terem conhecido os tempos da escravidão doméstica. Imposta (muitas vezes inconscientemente) por gente igual a mim... e igual a si.
(*) Bem sei que ainda há arestas a limar. Como, por exemplo, no que respeita a discriminação das mulheres nas empresas, onde, nalgumas delas, as mulheres ainda recebem -por trabalho igual- remunerações inferiores. Mas esse escândalo acabará num futuro próximo, quando a nosso grau de sensatez subir mais uns pontos na escala da civilização.
Estão a ver como as coisas evoluíram ? -Nesta publicidade pós 25 de Abril, a mulher já pode 'dar-se ao luxo' de parar e de, descontraidamente, ouvir as suas emissões radiofónicas preferidas. Esperando, talvez, que o marido a convide, galantemente, civilizadamente, para ir jantar fora. E eles não fazem mais que o seu dever !
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