Quando eu era menino, a escola primária começava -imperativamente- no dia 7 de Outubro. Essa data era, pois, um dia muito especial na vida das crianças deste país; que eram obrigadas -por lei e se passassem regularmente e com aproveitamento- a cumprir 4 anos de escola. Escola essa, que tinha por regra básica nº 1 o respeito devido aos mestres. Contrariamente àquilo que hoje acontece, os miúdos não andavam com a sacola sobrecarregada de livralhada e de outro material escolar pesado. Naquele tempo -já lá vão sessenta e tal anos...- bastava o livro de leituras da classe frequentada, uma tabuada, uma ardósia e respectiva pena e, nas classes mais avançadas, um caderno, uma gramática e uns manuais de História e Geografia e de Ciências Naturais. Que, aliás, nem todos os alunos possuíam... Os métodos de ensino desse tempo eram dos mais radicais e assentavam, sobretudo, no princípio do «não estudaste ?, então levas no toutiço». Mas toda a gente aprendia a ler, a escrever e a contar. Tenho saudades(*) dessa época e dos livros de leitura desse tempo. Que sem serem toscos, eram simples e continham textos adaptados às diferentes fases da nossa meninice e ao nosso grau de aprendizagem. Mesmo quando os textos eram de autores clássicos; como João de Deus, António Correia de Oliveira, António Nobre. Deste último e do livro da 2ª classe, lembro-me, por exemplo, de um poeminha intitulado «O Sono do João», que rezava assim :
O João dorme... (Ó Maria,
Dize àquela cotovia
Que fale mais devagar !
Não vá o João acordar...)
O João dorme... que regalo!
Deixá-lo dormir, deixá-lo !
Calai-vos, águas do moinho !
Ó mar, fala mais baixinho...
E tu, Mãe ! e tu, Maria !
Pede àquela cotovia
Que fale mais devagar,
Não vá o João acordar...
Curiosamente, muitos destes textos (que, frequentemente, devíamos aprender de cor) acompanharam-nos pela vida inteira e não é raro eu encontrar septuagenários, gente da minha geração, que ainda os sabe -palavra por palavra- e que, voluntariamente, os recita.
Posso estar redondamente enganado (e, porventura, até estarei), mas, às vezes, convenço-me, de que aqueles 4 anos de escolaridade obrigatória foram mais proveitosos aos 'jovens' do meu tempo do que o são os longos anos de escola -até aos 18 anos- dos tempos que correm... E isto, porque conheço miúdos com 20 anos que quase não sabem ler, nem discutir de outra coisa que não seja de futebol.
(*) Enfim, na realidade eu tenho saudades é da minha meninice, já que esses tempos (início dos anos 50 do passado século) foram duros, muito duros. Sobretudo para os pobres... que, nos infaustos tempos da ditadura salazarista, constituíam a esmagadora maioria da população portuguesa.
A 'tablet' do meu tempo era assim... E funcionava com uma pena de ardósia mais clara do que o 'écran'.
Os livros escolares do meu tempo da primária (e depois disso) não se desactualizavam de um ano para o outro (como agora acontece escandalosamente) e serviam para várias gerações de alunos. Repare-se neste livro de leitura da 4ª classe (que foi o que eu utilizei), que já ia -sem alterações- na sua 83ª edição.
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