quarta-feira, 2 de novembro de 2016
A ESSÊNCIA DOS NOSSOS POETAS
MONANGAMBA
Naquela roça grande não tem chuva
é o suor do meu rosto que rega as plantações:
Naquela roça grande tem café maduro
e aquele vermelho-cereja
são gotas do meu sangue feitas seiva.
O café vai ser torrado
pisado, torturado,
vai ficar negro, negro da cor do contratado.
Negro da cor do contratado!
Perguntem às aves que cantam,
aos regatos de alegre serpentear
e ao vento forte do sertão:
Quem se levanta cedo? quem vai à tonga?
Quem traz pela estrada longa
a tipóia ou o cacho de dendém?
Quem capina e em paga recebe desdém
fuba podre, peixe podre,
panos ruins, cinqüenta angolares
porrada se refilares
Quem?
Quem faz o milho crescer
e os laranjais florescer
- Quem?
Quem dá dinheiro para o patrão comprar
máquinas, carros, senhoras
e cabeças de pretos para os motores?
Quem faz o branco prosperar,
ter barriga grande - ter dinheiro?
- Quem?
E as aves que cantam,
os regatos de alegre serpentear
e o vento forte do sertão
responderão:
- Monangambééé...
Ah! Deixem-me ao menos subir às palmeiras
Deixem-me beber maruvo, maruvo
e esquecer diluído nas minhas bebedeiras
- Monangambééé...
** António Jacinto (1924-1991) foi um poeta e prosador angolano, natural da cidade de Luanda. De seu nome completo António Jacinto do Amaral Martins, também usou o pseudónimo de Orlando Távora para assinar os seus contos. Foi militante do MPLA, co-fundador da União de Escritores Angolanos e membro do Movimento de Novos Intelectuais de Angola. A sinistra PIDE prendeu-o durante 12 longos anos, nomeadamente no campo de concentração do Tarrafal, em Cabo Verde. Exerceu a profissão de técnico de contabilidade e -depois da independência do seu país- esteve no governo de Angola, onde desempenhou, sucessivamente, os cargos de ministro da Educação e secretário de estado da Cultura. Deixou-nos vários livros. Cito «Poemas», «Outra Vez Vovô Bartolomeu» e «Sobreviver em Tarrafal de Santiago». O poema «Monagamba» foi musicado e cantado por Rui Mingas **
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