sexta-feira, 27 de abril de 2018

A ESSÊNCIA DOS NOSSOS POETAS

NA AMPLA PRAÇA HÁ APENAS PLÁTANOS


Na ampla praça há apenas plátanos.
Nem crianças a correm de tão fria,
nem estátuas a comovem bronzeadas.
Das margens secas, com ilhas e outras casas,
janelas, se as há, são quase setas.
O frio perfurou tábuas e latas.
Um vento seco corta junto aos olhos.

O espaço é recomposto agora mesmo: na praça
estou na sombra dos plátanos
e tudo vejo com vontade e amor.
Mas não chega a presença ou a vontade.
Outros não chegam, ou aparecem apressados.
Nomes se referem. Desenha-se um olhar.
Apenas gesto, memória, sombra rara.

Envolvo-me na praça. Os plátanos cobrem-me.
Das margens sempre vem algum calor.
Renascem os olhos. Os plátanos movem-se.
As casas iluminam-se. Um grito
cobre a sombra e assim anima
a ampla solidão de todos nós.


** Eduardo Guerra Carneiro, in «Algumas Palavras». Poeta português, natural de Trás-os-Montes, Guerra Carneiro (1942-2004) foi jornalista, escritor, tradutor. No campo da poesia, seguiu, inicialmente, a escola surrealista e, mais tarde, o seu trabalho identificou-se com o chamado lirismo neo-romântico. Deixou vasta obra publicada, nomeadamente uma dezena de livros de poemas **

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