quinta-feira, 6 de julho de 2017

ESTÓRIAS CURIOSAS DA NOSSA HISTÓRIA (2)

O ASSASSÍNIO BÁRBARO E INJUSTO DE D. MARIA TELES DE MENESES

Na História de Portugal -como aliás na História de quase todas as outras nações- existem páginas manchadas com o sangue vertido por dezenas de inocentes, vítimas de crimes horrendos. Toda a gente recorda, naturalmente, as circunstâncias que levaram D. Afonso IV a mandar executar Inês de Castro (a formosíssima dama galega «que depois de morta foi rainha»), por quem o herdeiro do trono, seu filho D. Pedro, se perdeu de amores.
Ora, nesse mesmo século XIV, um outro assassínio iníquo -o de D. Maria Teles de Meneses- teve lugar em Coimbra, cidade que já fora palco do crime que vitimara a antiga acompanhante da rainha D. Constança. Curiosamente, nesta nova desgraça esteve directamente envolvido o infante D. João, um dos filhos de Pedro e de Inês que, quando menino de tenra idade, assistira -certamente horrorizado- à excruciante morte de sua mãe.
D. Maria Teles de Meneses era uma nobre senhora aparentada aos condes de Barcelos e irmã daquela que já era, no tempo em que sucedeu o drama que pretendemos relatar, a rainha de Portugal D. Leonor, a ambiciosa e impopular esposa de D. Fernando I, o «Formoso».
Como sua real mana, D. Maria era, fisicamente, uma mulher muito bem dotada, extremamente bonita. Casara ainda muito nova com D. Álvaro de Sousa, fidalgo que fora obrigado a exilar-se em Castela por causa de um diferendo que tivera com el-rei D. Pedro. E por lá morreu, depois de ter deixado um filho : D. Lopo Dias de Sousa, que chegaria a ascender ao alto cargo de Grão Mestre da Ordem de Cristo e que se tornaria um dos fiéis seguidores do futuro rei da «Boa Memória». D. Maria Teles de Meneses uniu-se em segundas núpcias com o supracitado infante D. João, um indivíduo ambicioso e que a amava certamente, mas que, ao desposá-la, tentava, antes de mais, cair nas boas graças da rainha de Portugal -duas vezes sua cunhada- e ganhar influência na corte.
Contrariamente àquilo que o infante esperava, a rainha D. Leonor não viu com bons olhos o matrimónio, contraído secretamente e em condições ao que parece rocambolescas e que será curioso evocar aqui. Segundo a 'vox populi', D. Maria, farta do constante assédio amoroso que lhe era feito por D. João (que a visitava amiúde no paço da infanta D. Beatriz, sua irmã, junto da qual a cortejada exercia as funções de dama de honor), fê-lo entrar, um dia, na intimidade da sua câmara, onde se abandonou ao fogo dos seus beijos e das suas carícias. Porém, no momento crítico em que o perturbado infante D. João desejou levar mais longe aquele momento de indizível felicidade, irromperam pelo quarto de D. Naria Teles de Meneses um padre e algumas outras testemunhas. E o enamorado principe foi informado, 'in continenti', de que só poderia desfrutar plena e totalmente da capitosa beleza da sua amada, se acedesse tomá-la imediatamente por esposa. Porque se não, noutras condições e circunstâncias, jamais a possuiria. Martirizado pelo ardente desejo que lhe comunicara a bela fidalga, D. João aceitou casar-se ali mesmo, sem mais formalidades e delongas.
Quando D. Leonor Teles teve, tardiamente, notícias dessa precipitada união alarmou-se. Teve medo que um filho varão nascido do casamento de sua irmã com um membro eminente da família real pudesse um dia reivindicar o ceptro da dinastia de Borgonha e prejudicar a ascensão ao trono de sua filha D. Beatriz. Assim, começou a tecer, desde logo, uma teia de ignóbeis intrigas que conduziram à execução de um dos crimes mais nefandos da nossa História.
O par formado pelo infante D. João e por D. Maria Teles viveu, nos primeiros tempos do matrimónio, momentos de rara felicidade. O casal havia elegido domicílio no confortável paço de Sub-Ribas, em Coimbra, e, de toda evidência, levava ali, naquele pacato e privilegiado recanto do país, uma existência das mais harmoniosas. Cúmulo da ventura : o infante D. João adoptara o jovem Lopo, filho do primeiro casamento de sua esposa (a viver, então, no convento fortificado de Tomar, sede da Ordem de Cristo, da qual era -com apenas 12 anos de idade- Grão Mestre nominal),  e estimava-o. Infelizmente, essa situação quase idílica seria de curta duração, já que, na sombra, D. Leonor remoía rancores e estendia, como acima referimos, uma subtil rede de intrigas que haveria de enlear o casal e encaminhá-lo fatalmente para a sua perda.
Na primeira ocasião que teve de receber o seu cunhado (D. João) em audiência particular, a rainha fingiu admoestá-lo pelo secretismo que, tanto ele como sua irmã D. Maria haviam emprestado ao seu enlace. E, suspirando, a infâme criatura deixou entender ao infante quanto o seu matrimónio a havia contrariado, já que ela chegara a encarar seriamente a possibilidade de casar D. João com a princesa sua filha, para poder vê-los, ambos, reinar em Portugal. Propósitos inteiramente falsos e descabidos, visto a juvenil D. Beatriz já estar, nessa ocasião, prometida ao rei de Castela, com o qual viria a casar, quando perfez 11 anos de idade.
O infante D. João, que era, como já se disse, alguém de extremamente ambicioso, arrependeu-se imediatamente de ter dado o nó com D. Maria Teles. Para ele, o trono de Portugal constituia a suprema ambição da sua vida e valia mais, muito mais, do que todas as mulheres bonitas do Reino. A partir desse momento, passou a andar acabrunhado e afastado da esposa e do seu senhorial paço coimbrão. Demorava-se, sobretudo, por Lisboa, onde se tornava especialmente receptivo às intrigas imaginadas pela malévola rainha e propaladas pelos seus agentes destabilizadores. Em determinada altura, começaram a correr boatos na corte sobre o despudor de D. Maia Teles, a própria irmã da rainha, que lá longe, nas suas terras de Coimbra, era acusada de se aproveitar das longas ausências do seu marido para se entregar ao pecado mortal da luxúria com muitos e ocasionais amantes.
Parece que D. João já esperava por tal 'notícia' para, finalmente, dar novo rumo ao seu destin; que na alta opinião em que ele próprio se tinha, não podia resumir-se à sorte de um simples fidalgo de província ou à de um banal cortesão. Assim, arquitectou (como o esperava ardentemente a sua cínica cunhada) o plano de voltar a Coimbra, para ali afogar no sangue a afronta que lhe pretensamente lhe fizera sua esposa. Afronta que, não haja dúvidas, ele sabia ser de origem caluniosa, não ter o mínimo fundamento.
No termo de uma cavalgada efectuada a toda a brida até à cidade do Mondego, D. João e alguns homens de sua inteira confiança, assaltaram o paço de Sub-Ribas (o seu próprio palácio) e arrombaram a porta dos aposentos privados de D. Maria. Quando esta, surpreendida por tão intempestiva intrusão, surgiu na presença do marido (envolta numa simples colcha) interpelou-o :

-Ó senhor, que vinda é esta tão desacostumada ?
Ao que D. João terá respondido (como o afirma Fernão Lopes nas suas «Crónicas») :
-Mereceis a morte, por me poerdes as cornas dormindo com outrem !

Debalde tentou a infeliz senhora salvar a honra e a vida, solicitando a D. João que se apartasse consigo, para discutirem o assunto. O desvairado e ambicioso príncipe negou-lhe, porém, esse derradeiro favor. E, arrancando-lhe bruscamente a colcha que cobria a nudez da sua bela mulher (na presença dos seus cavaleiros e da criadagem da casa, que acorrera ao lugar da disputa para se inteirar da razão de tal burburinho), D. João aplicou-lhe raivosamente várias punhaladas, que prostraram irremediavelmente a inocente e nobre senhora.
D. João teve, um pouco mais tarde, o descaro de abordar a sua real cunhada (autêntica inspiradora da tragédia do paço de Su-Ribas) para lhe falar do casamento com a infanta D. Beatriz, tendo a pérfida rainha de Portugal repelido, com evidente escárneo, as pretensões do seu manipulado cúmplice e algoz da malograda D. Maria Teles. O filho de Inês de Castro percebendo, então, claramente, o logro em que caíra e minado, talvez, pelos remorsos, exilou-se voluntariamente no país vizinho. Onde, em breve e ao lado de João I de Castela, iria reinar sua sobrinha D. Beatriz- Ali pôde escapar à legítima sede de vingança de D. Lopo, que jurara castigar o autor da horrível e injustificada morte de sua mãe. O ignominioso príncipe D. João morreu, em data incerta, numa masmorra da prisão de Salamanca, onde passou, miseravelmente, os últimos anos da sua vida.
Quanto à nefanda e odiada rainha D. Leonor -a outra triste protagonista deste crime sem nome- refira-se que também não teve sorte invejável; pois, após ter saído de Portugal, em consequência da acção do mestre de Avis, fundador de uma nova dinastia, foi parar a um convento de Tordesilhas, onde faleceu no ano de 1386. Sem gozar do apoio do rei castelhano, seu genro, com o qual se havia incompatibilizado.

(M. M. S.)


A rainha D. Leonor Teles deixou na memória colectiva dos Portugueses a imagem de uma mulher de rara beleza, mas, também , ambiciosa, cínica e de baixos instintos.

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