segunda-feira, 22 de maio de 2017

A ESSÊNCIA DOS NOSSOS POETAS


CIÚMES DO PASSADO


Quando teu rosto adorado,
Da luz do amor se illumina,
Resplandecente a meu lado,
Não sabes por que anuviado
O meu semblante se inclina?
Por que um amargo sorriso
Pelos meus labios deslisa,
Quando teus labios, Luiza,
Me proferem anhelantes,
Tantos protestos de amor!
É que minh'alma se opprime
Á lembrança do passado,
Em que já outro a teu lado
Escutou essas palavras,
Que me repetes agora
Cada vez com mais ardor;
E que esses mordidos beijos
Que me perdem de ventura,
Dados co'a mesma ternura
Já perderam de desejos
Neste mundo outro tambem!
E tu não sabes, querida,
Os zelos que me devoram,
Á lembrança que na vida,
Já quizeste a mais alguem?!

Raimundo de Bulhão Pato (1829-1912). Nasceu em Espanha (nas cercanias de Bilbau) e ali viveu parte da sua adolescência. Quando, acossado por devastadora guerra civil, decidiu procurar abrigo e reconforto no país de origem de seus pais. Por cá viveu e estudou -nomeadamente na Escola Politécnica- tornando-se amigo de grandes figura do nosso mundo literário e político. Ele próprio começou a produzir poesia (considerada «espontânea e natural»), para além de traduções (de Shakespeare e de Vítor Hugo, entre outros) que lhe granjearam o respeito dos seus pares. Deixou-nos vários livros e artigos nos jornais em que colaborou. Infelizmente, para a maioria dos Portugueses, o seu nome continua apenas associado a uma receita de amêijoas, que, ao que se diz, terá inventado...
O poema que aqui vos deixo está redigido no português do tempo (Janeiro de 1851).

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