sexta-feira, 31 de julho de 2015

A XAPUTA, UMA ILUSTRE DESCONHECIDA

Quando eu era menino, na década de 50 do passado século, comer carne era -para a maioria dos Portugueses, gente pobre- um prazer raro. Carne que, em geral, as famílias modestas, só saboreavam nalguns dias festivos. O que era normal, visto que, nessa altura, os trabalhadores da indústria ou dos campos auferiam salários verdadeiramente miseráveis. Curiosamente, tal como hoje acontece, mercê de políticas anti-sociais de governos insensíveis à justiça, para os quais o bem-estar do nosso povo sempre foi coisa de secundaríssima importância. De modo que, as refeições eram, nesse tempo, não um prazer, mas uma maneira incontornável de assegurar a sobrevivência. Lembro-me que a nossa dieta era, sobretudo, constituída por bacalhau (o produto mais barato do mercado) e por peixe fresco, este comprado nas praças e/ou a vendedores ambulantes; que percorriam as ruas de certas cidades e vilas do país com um carrinho adequado(*) ao negócio do pescado. Abro aqui um parêntese para lembrar que havia certas espécies que eram, naturalmente, reservadas aos ricos, tais como o pargo, o cherne, a chamada pescada de Sesimbra, etc. , por serem elas bastante caras e inacessíveis à bolsa da generalidade dos nossos compatriotas. Nós, os pobres ou os menos abonados, comíamos sardinhas, carapaus, cachuchos e outro peixe miúdo; e, também outras espécies, que, nos nossos dias, escasseiam. A tal ponto, que já há muita gente que não as conhece. Estou-me a lembrar, por exemplo, da xaputa, um peixe da família dos corifenídeos, de seu nome científico 'Brama brama', outrora muito abundante no Atlântico norte e muito especialmente na nossa costa. A xaputa é um peixe de tamanho médio e de cor escura com reflexos prateados. De aspecto pouco convidativo,  oferece, no entanto, uma carne firme (mas suculenta), branca e muito saborosa. Nessa longínqua época, em casa dos meus pais, a xaputa era preparada e comida de duas maneiras : cortada em postas finas, fritas e degustada com um acompanhamento de arroz de tomate ou de coentros. À outra maneira chamava a minha mãe 'Bifes de Xaputa'. A preparação implicava esfolar o peixe (operação difícil e morosa, porque a pele é espessa e difícil de arrancar) e cortá-lo em finos filetes, que se deixavam macerar certo tempo em vinha de alhos, tal como se procederia se se tratasse de verdadeiros bifes de vaca. Depois, sem os passar por farinha, fritavam-se em azeite e serviam-se quentinhos, com acompanhamento de batatas cozidas, de salada de alface ou de tomates verdes. Posso afiançar que, sobretudo esta última receita, de tão gostosa que saía, era muito apreciada por toda a família. Já não como xaputa há anos. Creio que a última que comprei foi numa peixaria em Espanha, onde os nossos vizinhos lhe chamam carinhosamente 'palometa'. O que significa pombinha. A propósito de nomes, é de referir que, em Portugal, a xaputa também é conhecida (em diferentes regiões costeiras) pelos designativos de freira, angelina, anjounil, plumbeta, brema-do-mar e lareta. Em França, onde eu residi muitos anos, chamam-lhe andorinha-do-mar, pelo facto da sua barbatana caudal se assemelhar, na forma, à 'cauda' dessa ave migradora. Parece que o nome que se dá, no nosso país, a este peixe, deriva da palavra árabe 'xabbútâ', que também o designa no Magrebe.

(*) Os carrinhos dos peixeiros daquele tempo eram, geralmente, de pequenas dimensões, ligeiros, de formas toscas e assentes em duas rodas de bicicleta. Eram empurrados (por isso estavam equipados com um par de varais) pelos respectivos utilizadores e para além do pescado destinado à venda, dispunham de uma prancha para o amanhar, de jogos de facas, de reservas de sal e de gelo e de um balde para acumular as entranhas ou, pelo menos, aquelas que as freguesas não reclamavam para os seus bichanos. Tudo isto se cobria com um espesso oleado, para tentar preservar a frescura do peixe. Cuja venda se aconselhava a fazer nas duas ou três horas após a sua partida da praça de origem.

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