Varanda de Pilatos
Não há tempo. Há o espaço. O sol e as nossas voltas.
Os bocejos da lua, o clã dos astros.
Os buracos negros.
Ó mãe! Para onde foram os seres vivos de ainda
Há pouco em todo o seu esplendor?
Mortos como tu, a natureza recebe-os.
A Terra, essa criança atroz, destrói os seus brinquedos
Numa rotina mecânica.
Quantas noites me faltam? Quantos beijos no escuro?
Quanta luz me cabe ainda nas pupilas?
Os anos não me matam, não me ferem os meses,
As horas não me guilhotinam.
As células vão ardendo nos seus mapas
De nervos, o sangue demora sempre mais um pouco
A chegar ao seu destino orgânico.
Devagar, devagar, a cabeça amolece.
Devagar no colo do sono.
Ó mãe. Um ninho. Uma cama macia no teu ventre.
Uma exposição de sinais. Uma geometria
Que me liga ao saber acumulado.
Armando Silva Carvalho, in 'Sol a Sol' . Poeta e prosador português. Nasceu em Olho Marinho (Óbidos) em 1938 e faleceu, hoje (dia 1º de Junho de 2017), nas Caldas da Rainha. Licenciado em Direito pela Universidade de Lisboa, Silva Carvalho exerceu sucessivamente as profissões de advogado, jornalista, professor e publicitário. «Lírica Consumível» (publicado em 1965) marcou a sua estreia na poesia e valeu-lhe o Prémio Revelação atribuído pela Sociedade Portuguesa de Autores. Deixou-nos vários livros de poemas (e de prosa) e o seu nome e os seus poemas são lembrados em grande parte das antologias consagradas à poesia lusa dos séculos XX e XXI.
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