sábado, 15 de agosto de 2015

A ESSÊNCIA DOS NOSSOS POETAS

ESTOU VIVO E ESCREVO SOL
Eu escrevo versos ao meio-dia
e a morte ao sol é uma cabeleira
que passa em frios frescos sobre a minha cara de vivo
Estou vivo e escrevo sol

Se as minhas lágrimas e os meus dentes cantam
no vazio fresco
é porque aboli todas as mentiras
e não sou mais que este momento puro
a coincidência perfeita
no acto de escrever e sol

A vertigem única da verdade em riste
a nulidade de todas as próximas paragens
navego para o cimo
tombo na claridade simples
e os objectos atiram suas faces
e na minha língua o sol trepida

Melhor que beber vinho é mais claro
ser no olhar o próprio olhar
a maravilha é este espaço aberto
a rua
um grito
a grande toalha do silêncio verde
 
* António Ramos Rosa (1924-2013), ilustre poeta e prosador português, natural de Faro, com vasta obra publicada. Militante antifascista, foi perseguido pela polícia política da ditadura. Galardoado com prestigiosos prémios literários. O poema aqui apresentado foi extraído do seu livro «Estou vivo e escrevo sol», editado em 1966 *

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