E CORRERAM OS RIOS
altas e soltas correram os rios na gente
rios de lava Lisboa inflamada acorrendo fremente
nos dias eu se abriram vinda das faldas vertida
dos dormitórios da cintura fumegante e mecanizada
Lisboa livre acorreu
enxameadas as veias avenida da liberdade
rossio terreiro do paço Belém
– e além na outra banda absurdo o cristo:
braços em cruz impotente –
e correndo os rios cada vez mais latos
até o súbito despedaçar-se da seda contra a amurada
afundadas as olheiras da vigília entornadas
as falas em busca do nexo – e achámos esta sorte
o sangue agitado o tempo:
uníssono o nosso grito
escancarado em cada rua
em passo de estar alerta
uníssono ressoou porém mais fundo.
E assim nos pergunto que águas nos lavaram tão de dentro
e levaram alamedas da liberdade acima
que rios tão feitos de luta e punhos? alegria?
** Wanda Ramos (1948-1998) - É uma poetisa portuguesa, natural do Dundo, Angola. Filha de portugueses, veio para a Europa em 1957. Formou-se em Filologia Germânica na Faculdade de Letras de Lisboa. Para além de ser uma poetisa reconhecida e publicada, foi prosadora (em 1980, foi galardoada com o Prémio Ficção da Associação Portuguesa de Escritores), professora e tradutora. O seu primeiro livro de poemas intitulou-se «Nas Coxas do Tempo» (1970) **
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