quinta-feira, 30 de abril de 2015

A ESSÊNCIA DOS NOSSOS POETAS

Ofício de trevas
Poema XXIV

É preciso que tragam a bandeira
É preciso que alguém vá até ao fim da noite
e desenterre a bandeira
Se já não tiver mãos
que rasgue a terra com os dentes
mas que traga a bandeira
Se já não tiver dentes
que afunde os olhos nessa terra
e lhe arranque a bandeira
que nela está sepulta
É preciso que os tambores anunciem a chegada da bandeira
Se não houver tambores
que os mortos se alevantem
e façam rufar seus ossos
em sol altíssimo à chegada da bandeira
Iluminem Iluminem Iluminem o caminho da bandeira
Se as nuvens de baionetas forem trevas no caminho da bandeira
que incendeiem a noite com as pedras da rua
mas que haja luz à passagem da bandeira
para que os olhos vazados vejam a bandeira
para que as bocas rasgadas cantem a bandeira
para que os ferros caiam à passagem da bandeira
 
Carlos Maria Araújo (1921-1962), poeta português exilado pelo salazarismo. Pouco conhecido (infelizmente) na sua terra, mas muito apreciado no Brasil. Morreu num acidente de avião ocorrido sobre a baía de Guanabara no dia 20 de Agosto, quando viajava do Rio de Janeiro para Inglaterra.


 

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