(Páginas esquecidas da nossa História – 2)
O Dr. Miguel Bombarda (que nasceu no Rio de Janeiro de 1851) foi um dos mais notáveis alienistas portugueses de sempre. Fez tese sobre «O delírio das perseguições» em 1877, distinguindo-se, posteriormente, como docente da Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa e como Director do Hospital Psiquiátrico de Rilhafoles.
Tendo grangeado merecida fama além-fronteiras, o Dr. Miguel Bombarda valeu-se dessa sua notoriedade para realizar em 1906, em Lisboa, um Congresso Internacional de Medecina, a qual presidiu. A Miguel Bombarda se ficou, igualmente, a dever a criação da Liga Nacional contra a Tuberculose e a fundação da revista semanal «Medicina Contemporânea», da qual ele próprio foi Director e um dos principais redactores.
O Dr. Miguel Bombarda divulgou, através de numerosos e bem documentados escritos, os principais proplemas de natureza clínica que afligiram os Portugueses do seu tempo. O ilustre médico e divulgador realizou e publicou, além disso, estudos meritórios sobre distrofias por lesão nervosa, menopausa viril, delírio do ciúme, epilepsia, psiquiatria forense, assistência aos alienados e sobre muitos outros temas de índole cintífica-profissional.
Paralelamente à ciência, o Dr. Bombarda interessou-se apaixonadamente pela política, tendo-se destacado pelo ardor combativo que pôs na luta contra o obscurantismo clerical do seu tempo e contra o poder monárquico. Assim, ficou a dever-se a este distinto clínico a fundação da Junta Liberal, em 1901. Alguns anos mais tarde –em 1909- Miguel Bombarda revelou-se como um dos membros mais activos do Comitê Revolucionário Republicano, que exigiu a abdicação daquele que viria a ser o último soberano da dinastia de Bragança : D. Manuel II.
Como já acima deixei entender, o Dr. Miguel Bombarda -homem que «contribuiu poderosamente para o prestígio da medicina portuguesa no estrangeiro»- foi um polígrafo fecundo, visto a sua obra obra escrita compreender centenas de artigos (mais de 600 !) e uma vintena de livros. De entre estes últimos, e no domínio científico é de destacar «Os neurones e a vida psíquica», enquanto no campo político-doutrinário é importante referir «A consciência e o livre arbítrio». Esta última obra foi muito polémica, já que valeu ao insigne alienista e republicano convicto uma viva disputa com o padre M. Santana, que ripostou ao seu livro com a publicação de «O materialismo em face da ciência»; ao que o Dr. Bombarda opôs, por sua vez, novo livro intitulado «A ciência e o jesuitismo – réplica a um padre sábio».
No dia 3 de Outubro de 1910, quando se estava a escassas horas da eclosão da revolta que haveria de conduzir à queda definitiva da monarquia portuguesa, o Dr. Miguel Bombarda apresentou-se, como habitualmente o fazia, no hospital de Rilhafoles. Para este líder do golpe de estado que estava prestes a agitar a vida política nacional, esse dia era, do ponto de vista profissional, um dia de trabalho como os outros.
O ilustre psiquiatra encontrava-se, pois, sentado à secretária do seu gabinete hospitalar, quando a porta do dito foi franqueada por um seu antigo paciente, o tenente do exército Aparício Rebelo. Ao vê-lo, o Dr. Miguel Bombarda soergueu-se, esboçou um gesto amável para cumprimentar o inesperado visitante, quando este sacou, bruscamente, de uma pistola Browning e alvejou o médico com dois tiros, disparados à queima-roupa. Alertado pelos estampidos, um dos guardas do estabelecimento hospitalar acorreu rapidamente ao escritório do Director de Rilhafoles. Apercebendo-se imediatamente da gravidade da situação, o diligente e corajoso funcionário atirou-se ao agressor e desarmou-o. Mas o irremediável estava, contudo, consumado.
Perante a extrema gravidade dos ferimentos causados pelos tiros desfechados pelo tresloucado oficial, o Dr. Miguel Bombarda foi imediatamente conduzido ao banco do hospital de São José. Ali se manteve algum tempo, perfeitamente lúcido, chegando até a discutir com os seus colegas sobre as medidas a adoptar para o seu caso, aquando da operação cirúrgica a que deveria submeter-se sem mais delongas. Segundo uma testemunha ocular da patética cena, o famoso alienista ainda teve a presença de espírito suficiente para retirar de um dos seus bolsos um documento, que queimou. Presumiu-se, mais tarde, que se tratasse de uma lista de nomes de cidadãos de Lisboa implicados, como ele, no levantamento popular agendado para daí a poucas horas.
O notável clínico não conseguiu resistir, infelizmente, à gravidade dos ferimentos que lhe haviam sido infligidos pelo tenente Rebelo, apesar de todos os cuidados que lhe foram dispensados em São José. E acabou por falecer no hospital nesse mesmo dia 3 de Outubro de 1910, sem ter podido saborear a vitória da revolução republicana que ele havia apadrinhado. A sua trágica morte chegou a ser apresentada, por alguns dos seus correligionários, como um crime político, pelo facto do assassino do Dr. Miguel Bombarda estar ligado ao exército real. O mais provável, porém, é ter sido o acto do tresloucado militar, a acção isolada de um doente e nada ter tido a ver com as opiniões políticas perfilhadas pela sua vítima. Um homem cujo nome se inscreve na nossa História como uma das maiores glórias da medicina portuguesa de inícios do século XX. Coisa curiosa : o Dr. Miguel Bombarda foi a enterrar no dia 6 de Outubro de 1910, ao mesmo tempo que um outro grande paladino da República que se chamou Cândido dos Reis. (M. M. S.).
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